21 agosto 2006

Deleuze falando sobre Spinoza

Uma vez, uma única vez, Spinoza utiliza uma palavra latina muito estranha porém muito importante, que é "occursus". Literalmente, é o "encontro". Na medida em que tenho idéias-afecções, eu vivo ao acaso dos encontros: eu passeio na rua, vejo Pedro que não me agrada, e isso em função da constituição do seu corpo e da sua alma e da constituição do meu corpo e da minha alma. Alguém que me desagrada, corpo e alma, o que isso quer dizer?
Quando eu digo: aquele tipo não me agrada, isso quer dizer literalmente que o efeito do seu corpo sobre o meu, que o efeito de sua alma sobre a minha, me afeta de maneira desagradável, são misturas de corpos ou misturas de almas. Há uma mistura nociva ou uma boa mistura, tanto no nível do corpo quanto no da alma. É exatamente como: "Eu não gosto de queijo." O que isso quer dizer? "Eu não gosto de queijo": Isso quer dizer que o queijo se mistura com o meu corpo de tal modo que eu sou modificado de maneira desagradável, não quer dizer nada além disso. Portanto não há nenhuma razão para estabelecer diferenças entre simpatias espirituais e relações corporais
Mas o que é um corpo? Esse seria o objeto de um curso específico, e eu não vou desenvolvê-lo. A teoria sobre o que é um corpo, ou então uma alma, dá no mesmo, encontra-se no livro II da Ética. Para Spinoza, a individualidade de um corpo se define assim: é quando uma relação composta ou complexa (eu insisto nisso, muito composta, muito complexa) de movimento e de repouso se mantém através de todas as mudanças que afetam as partes desse corpo. É a permanência de uma relação de movimento e de repouso através de todas as mudanças que afetam todas as partes, ao infinito, do corpo considerado. Vocês compreendem que um corpo é necessariamente composto ao infinito.
DELEUZE / SPINOZACours Vincennes - 24/01/1978